Não me peçam para dar a única coisa que tenho para vender

Mas qual é o impacto deste comportamento na nossa indústria de eventos?

Lembro-me que ainda antes de existir ASAE era prática comum os vendedores de fruta ambulantes oferecerem para experimentar os seus produtos. Podiam ser melões, melancias, pêssegos, e normalmente até o faziam sem qualquer cerimónia, usando a mesma faca que usavam para cortar a fruta, e de uma forma quase medieval, estendiam-nos a mesma com o pedaço. Era normal existirem pessoas que andavam de banca em banca a experimentar a fruta, aproveitando para lanchar sem pagar, pois no fim muitas dessas pessoas nem sequer tinham intenção de comprar.

Nessa mesma altura começava a minha vida profissional. Não tinha sequer 17 anos, e trabalhava todos os anos nos salões automóveis na Mercedes. Existia um fenómeno que achava curioso, os visitantes dessas feiras mal entravam na feira procuravam o primeiro estande que desse sacos, sim sacos de plásticos. Não havia consciência ambiental. Estranho, o que é que sacos têm a ver com a indústria automóvel?

Simples! A maioria dos visitantes fazia um tour a todos os estandes, dirigiam-se às promotoras e perguntavam: o que é que tem para dar? O nível de satisfação dos visitantes era diretamente proporcional ao nível de sacos que conseguiam encher com canetas, autocolantes, balões, folhetos, catálogos, entre outros!

Grande parte dos visitantes gostava de ver as “máquinas” e as promotoras, mas no fundo o que era realmente relevante para estas pessoas era conseguirem o máximo número de brindes. Recordo-me de um ano em que até um balão rebentado da Mercedes me pediram.

Estes dois episódios da minha juventude são exemplificativos de que no nosso DNA existe uma atração fatal para tudo o que não se pague, mesmo que, no limite, seja algo inútil e sem qualquer valor. O valor reside em conseguirmos ter um brinde.

Mas qual é o impacto deste comportamento na nossa indústria de eventos?

Ao longo dos anos, na NIU, temos assumido o papel de promotor de centenas de eventos, alguns deles na área da música e entretenimento, outras vezes somos simplesmente organizadores de projetos como o MEO Spot, Moche Tony Hawk, Mega Picnic do Continente, Moche Festival, Martini Terraza, entre muitos outros.

Quando se aproxima a data desses eventos o número de pedidos de amizade no Facebook aumenta exponencialmente, e as chamadas telefônicas com pedidos de amigos de amigos idem.

Quando por vezes digo que já não temos bilhetes para oferecer é normal ouvir "Se não me arranjares brindes, já não vou!"

Com o objetivo de estabelecer uma analogia, por vezes pergunto “O que é que faz na vida?". Recordo-me que, numa situação, uma dessas pessoas me respondeu: "Tenho hotéis". Questionei-o se poderia ir lá passar um fim-de-semana com a minha família. Respondeu-me que sim, mas acrescentando que fazia um pequeno desconto. Imediatamente pergunto: "Desconto? Achava que me ia dar uma cortesia". Obviamente respondeu que tal não era possível porque tinha muitos custos operacionais. Limitei-me a dizer "Pois é".

Em geral, na nossa indústria, as pessoas esquecem-se de que por vezes investimos milhões para ter o retorno em poucos dias. Os palcos, os conteúdos, a segurança, as licenças, a polícia, a decoração, os audiovisuais, entre muitas outras rubricas de um evento fazem com que seja uma indústria de alto risco.

A percepção de valor é alta, mas mesmo assim não estão dispostos a pagar. Isto nada tem a ver com a capacidade financeira de cada um. O desafio de conseguir "uma cortesia" está no DNA, é quase celebrado como uma vitória, mesmo que no final não a utilizemos, tal como o balão rebentado que me pediram há mais de 20 anos!

Por Nuno Santana, CEO da Niu Brand Activation

Publicado, originalmente, na Event Point nº14