Amazônia: até quando?

No entremeio das Amazônias verde a azul, os 25 milhões de brasileiros que aqui vivem, trabalham e levantam a bandeira verde e amarela ficam angustiados ao ouvir falar da formidável biodiversidade e rica diversidade cultural, do povo criativo e generoso, da expansão performática da exportação de minérios e das grandes esperanças de um futuro sempre indeterminado e inseguro ao longo das gerações. Enquanto manchetes sensasionalistas matraqueiam sem parar sobre a insustentável devastação da floresta, biopirataria, trabalho escravo, violência, pobreza, poluição e crime organizado entre outras mazelas incuráveis debitadas à conta de usos e costumes ditos "naturais" ou culturais à guisa de desculpa de sujo a falar do mal lavado.

Um visitante de outras plagas, menos esclarecido, chegando repentinamente num ponto qualquer da amazônia acreditaria de chofre que o tempo parou e, que de soluço em soluço o progresso se manifesta por espasmo, sem jamais acertar o caminho da continuidade. Seria talvez praga do infeliz "descobridor" das lendárias amazonas, Francisco Orellana; extraviado e morto ao perder-se no labirinto das Ilhas no fantastico rio Amazonas. Ou um fado medonho, uma sina perversa ou ainda a ruindade congênita da própria gente "preguiçosa" da terra? Sugiro uma reflexão além dos clichês. E descobrir longe da armadilha da luta entre o bem e o mal, o fato elementar que talvez explique o fenômeno incontornável de uma região condenada a se eternizar como periferia da periferia.

Sorria, leitor; você está sendo desafiado a fazer a descoberta de um segredo de Estado. Aquilo que de tão óbvio ninguém vê e nem se lembra mais, desde o tempo do Brasil colônia. Em vez de domesticar a região a ferro e fogo, seria o caso de aprender com ela a inventar tecnologia e adaptar a cultura do branco colonizador. Fim de um certo mundo e começo de outro, melhor dizendo... O mal não é o espaço tropical nem o tempo da gente cabocla, é a cabeça feita das elites que não se acertam e que nunca pensam a mesma coisa. Desesperadas e doidas para chegar ao imaginário Primeiro Mundo.

Esse contraste desconcertante e cruel que nunca chega ao fim, desde a Cabanagem e o colapso da belle époque; que ultrapassa o limite da racionalidade e do politicamente aceitável. Quando o assunto é turismo, o sentimento da sociedade amazônica vai à beira da exasperação ou se cala para sempre em depressão. É notável a inconsistência de macros politicas públicas para o negócio do turismo, promoção da ciência e tecnologia, a míngua de infraestrutura a fim de diminuir as distancias e romper o isolamento das regiões amazônicas, que as separam uma das outras e dos maiores centros do país e do mundo. Coisas que vêm sendo exaustivamente apontadas desde a era Vargas, com o célebre Plano de Valorização da Amazônia que, no fim da história, valorizou demais problemas dos incentivos fiscais e outros desacertos de triste lembrança.

O que não faltam são diagnósticos, reuniões grandiosas, grandes projetos sobre tudo que se refere a Amazônia. Um pesquisador estrangeiro talvez ficasse espantado se fizesse inventário de tudo quanto já se imaginou para seu desenvolvimento e a constatação de que cedo se esquece a mirabolante proposta, que foram das concessões da companhia Ford ao Projeto Jari, passando pela megalomania do grande lago de Óbidos no sonho desvairado de um futurólogo norte-americano. Mas, o financiamento e o resultado dos investimentos são sempre escassos diante da aceleração do crescimento de velhos problemas que se misturam a novos que a modernização introduz.

Todavia, o paradoxo amazônico não pára por aí. A experiência regional é considerável através de respeitáveis instituições como Museu Goeldi, INPA, Instituto Evandro Chagas, Embrapa, sem esquecer ainda universidades públicas de grande porte em Belém e Manaus, por exemplo. Então, dá para pensar que algo está errado profundamente em relação a Amazônia que queremos e a que nós temos. E que se não for o Brasil com seus vizinhos na América do Sul competentes para decifrar o enígma, muito menos para isto será capaz o mundo externo que a inventou e começou o desastre que vai a montante em todo o globo.

A gente pergunta, por exemplo, o que fariam políticos e empresários de um outro país, como Cingapura por exemplo? Que não é um gigante nem possui matérias-primas, mas a fibra e a inteligência de seu povo bem instruído, assistido e educado para conviver com a realidade local e do mercado internacional simultaneamente. Para não falar mais de grandes potências comerciais e industriais colonizadoras, ou de aventuras revolucionárias e tigres asiáticos que se miram no modelo avassalador clássico. O que uma elite empreendedora poderia fazer com uma plataforma produtiva especialmente adaptada às condições amazônicas? Que resultados poderia ela obter investindo prioritariamente no desenvolvimento humano sustentável duma gente ávida por melhorar de vida neste golfão marajoara coalhado de ilhas do tamanho de países, entre duas capitais estaduais do trópico úmido, Belém e Macapá? Que elite nacional ficaria indiferente (para não dizer ignorante) diante da grandeza do rio-mar e do mar territorial brasileiro?

Uma imensidão de águas e vidas aquáticas que se estende além do costão entre o cabo Orange, no Amapá; até a baía de São Marcos, no Maranhão. Basta dizer que, enquanto se discute biocombustíveis em terra agrícola; e até em santa ignorancia se queira impedir a plantação de cana de açucar na amazônia, a pesquisa científica já vai achando fonte natural em micro algas capazes de produzir muito mais óleo para geração de energia, por hectare de terreno inundado; do que qualquer cultivo disputando espaço com alimentos humanos.

Ora, com exceção de raros especialistas sem grande apoio político e empresarial, o Brasil e o mundo não conhecem a costa oceânica contínua de três estados amazônicos: Amapá, Pará e a pré-Amazônia maranhense, cujo conjunto chama atenção no imenso estuário formado pelos rios Pará e Amazonas, de mais de duzentos quilômetros de largura no encontro com o oceano Atlântico, indo do Cabo do Norte (Amapá) à ponta da Tijioca (Pará), destacando-se ao centro o maior arquipélago flúvio-marítimo do planeta, que é o Marajó. Aí nesse litoral está a maior densidade demográfica da Amazônia e poderia, sem prejuízo dos povos tradicionais da Floresta, acolher muito mais migrantes brasileiros caso, realmente, se concebesse um plano amazônico de desenvolvimento humano sustentável, tendo no turismo fluvial e marítimo seu caixeiro-viajante com sustentação política nacional inequívoca. Digo bem, um plano amazônico. Não um plano neocolonial, de fora para dentro; dito de desenvolvimento da Amazônia. Como tem sido, condicionado às regras leoninas do mercado internacional e reprimido internamente pelas preocupações mais regionalistas do Sul-Sudeste brasileiro do que propriamente da legítima soberania nacional.É inconcebivel que 63% do territorio brasileiro produza apenas em torno de 8 % do PIB nacional e ainda de forma insustentável em sua maioria.

Não se trata de acusar este ou aquele governo como distração partidária, mas o fato de que a Amazônia não é um problema brasileiro ou mundial: ela é solução para todo mundo. A começar pelas populações locais amazônicas, como condição sine qua non. A partir dos recursos humanos amazônicos qualificados se construirá o novo edifício social, encerrando a história colonial e neocolonial de 400 anos desde a fundação de Belém do Grão-Pará. Ou, aí sim, não haverá solução. Portanto, um turismo responsável e altamente estratégico intimamente ligado às universidades amazônicas e desenvolvimento sustentável em nível de pós-graduação deveria ser a pedra de toque da mudança de paradigma cantada em prosa e verso.

Está claro que o desenvolvimento da Amazônia depende mais de ação e menos de discurso numa política ousada com união de todos, tendo o homem amazônico efetivamente ao centro das decisões. Sobre a oportunidade do turismo, não há outro setor da economia com tamanha transversalidade e agregação de produtos exigindo educação, saneamento, difusão cultural e conservação do meio ambiente, primeiro beneficiando os locais e depois servindo de vetor para a produção economica. Uma política nacional e multilateral de turismo para a Amazônia, através de foro competente e da implementação efetiva do portão norte do Mercosul deveria ser a nau capitânea do desenvolvimento e da segurança territorial da nossa Amazônia Legal.

*ADENAUER GÓES – Ex-presidente da PARATUR Companhia Paraense de Turismo e do FORNATUR – Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo