A Importância decisiva dos eventos

O Brasil está faturando menos de 10% do que já deveria faturar no turismo internacional. E não fatura mais de 25% do que poderia faturar no turismo interno.

Essa realidade preocupa-me muitíssimo. Pois fui eu, faz já meio século, quem disse aquela frase que ficou famosa: "Acredite, este país será uma potência turística" .

Algumas coisas aconteceram, estão acontecendo, e vocês as conhecem melhor do que eu, para que aquele vaticínio meu acabasse tão mal.

É incrível. É até doloroso. Mas é verdade. Neste país maravilhoso acontecem coisas que não tem explicação, e que os brasileiros não merecem. Acontece, por exemplo, o caos do transporte aéreo.

Sem transporte aéreo suficiente e eficiente, sem aeroportos modernos e seguros, no Brasil não só é difícil o desenvolvimento turístico. Também é difícil a racionalidade do próprio país.

No Brasil, os caminhos do ar equivalem, e devem equivaler, as estradas e as ferrovias de qualquer país civilizado. Um Brasil sem vias aéreas transitáveis é como uma Alemanha, uma França, um Japão, sem rodovias nem ferrovias.

Esse desajuste inexplicável deixa-me profundamente triste. Pelo que sinto pelo Brasil. Porque dei o melhor da minha vida para que a VARlG fosse o que um dia foi. E, também, se alguém decidisse hoje, agora mesmo, neste instante, atualizar e racionalizar o transporte aéreo brasileiro, colocando-o no nível que de verdade faz tempo que lhe corresponde, tardaria entre 20 e 25 anos em alcançar o seu objetivo.E, quando ao final conseguisse atingir o seu objetivo, descobriria que os paises mais adiantados estariam 20 ou 25 anos por diante.

Por tudo isso, que não é pouco, devemos tratar da importância decisiva dos eventos, afinal se não fosse pelos eventos, pelo setor dos eventos, pelas empresas de eventos, pelo seu trabalho e a sua inteligência, o turismo brasileiro estaria muito pior do que está. As estatísticas turísticas seriam ainda mais preocupantes.

O que tem sido feito, o que estão fazendo, contra vento e maré, é um milagre, ainda que possa e deva ser melhorado.

O setor dos eventos pode e deve melhorar no Brasil, ainda que o turismo propriamente dito não melhore. Por duas razões: 1ª) - porque a infra-estrutura específica que já existe para fazer eventos (centros para congressos e exposições, auditórios, estádios, teatros, espaços livres nos hotéis etc.) só tem atualmente um índice de utilização de 7% e 9%; 2ª) - porque o poder de atração de qualquer evento bem programado e bem trabalhado é sempre mais forte, mais determinante, mais convincente, com aeroportos ou sem aeroportos, que o poder de atração de uma praia, de uma paisagem ou de um museu.

Pensar nessas duas coisas vale a pena, porque interessa ao turismo brasileiro em geral, e porque interessa ao setor dos eventos em particular.

Deixando de lado a questão do insuficiente número de turistas, tanto de fora como de dentro, o turismo brasileiro tem outros problemas que só podem se resolver com os eventos.

São esses, claro está, os problemas de ocupação continuada no tempo, e de ocupação racional, equilibrada, no espaço. Ou, dito de outra forma: são os problemas derivados da falta ocasional de demanda, ou da falta de interesse por determinados lugares. Não há negócio turístico porque não há tempo livre, ou não há negócio turístico porque a oferta se instalou longe, ou é cara, ou é inadequada.

Isso acontece todo dia, quando o poder de atração é relativo: quando a oferta se apóia em argumentos de venda superficiais, e a demanda duvida entre comprar ou não comprar, porque comprando ou não comprando a vida vai continuar sendo a mesma.

A solução são os eventos. Porque os eventos podem ser mais resolutivos, mais convincentes, mais definíveis, mais vantajosos, que o turismo convencional. O argumento é conhecido: o evento é aqui mesmo, neste lugar (porque sim...), e o evento é hoje, agora (ou nunca...). Com bom tempo ou com mau tempo, em inverno ou em verão, longe ou perto...

O que estou dizendo pode ser polêmico. Pode parecer até utópico, porque as coisas não são exatamente assim, no mundo real das vossas empresas e dos negócios.

Todo mundo sabe que as empresas brasileiras de eventos trabalham sobre tudo, na sua maioria, sempre que podem, com estratégias parecidas às estratégias das empresas que simplesmente comercializam viagens ou excursões: o cliente sempre tem a razão. Quem paga é quem decide, ou acaba decidindo, os lugares e as datas.

As conseqüências dessa realidade são o pão nosso de cada dia: todo mundo quer reserva - e bom preço-, onde, e quando, tudo está reservado!

Nesse ponto está a linha vermelha que separa o antes e o depois; a inércia e a inovação; a rotina e a competitividade verdadeira.

A forma clássica de trabalhar, tanto no turismo como nos eventos, não é pecado nem pode ser, nem deve ser, abandonada. É a forma, muito respeitável, de trabalhar para a demanda efetiva: para a demanda que, mais ou menos, se define sozinha.

Porém -creiam-me-, essa demanda não é a grande demanda, nem no turismo, nem nos eventos. A grande demanda é a demanda potencial: a que não se define sozinha, mas existe. A maioria dos mortais não sabem o que quer, nem mesmo quando está disposta a querer! A falta de iniciativa é a característica desconcertante que confunde à maioria dos humanos!

Essa verdade é a verdade verdadeira do marketing mais avançado. Está demonstrada. A conhecem bem as operadoras que promovem e vendem destinos turísticos, de forma massificada, sem que ninguém tenha demandado esses destinos previamente, nominalmente, realmente.

Se isso é assim no turismo de massas, por que é que não vai ser nos eventos? O quê é que impede que o setor brasileiro dos eventos programe mais e melhores eventos, lógicos e coerentes, em mais lugares, todos os dias, sempre, continuadamente, para atender à inesgotável demanda potencial, que os compraria, ainda que não os conheça, nem os peça, por antecipado?

A estratégia consiste, então, simplesmente, em dar resposta às mil necessidades reais que a sociedade tem, mas que ninguém administra, por mil motivos: em atuar como se as empresas de eventos fossem o departamento de marketing da sociedade em movimento.

Fazendo o que sugiro, sem prejudicar - nem alterar - o que já está sendo feito, que já é magnífico, o setor brasileiro dos eventos cresceria de forma espetacular; as instalações concebidas para fazer eventos, se aproveitariam mais e melhor; os destinos turísticos brasileiros menos favorecidos encontrariam uma boa alternativa para ser mais competitivos; as datas ou temporadas de baixa ocupação turística seriam reativadas, em todo o País.

De tão simples, e de tão lógico, o que estou propondo pode surpreender. Pode, até, encontrar incompreensão. Como é que se faz? De onde sai a iniciativa -sai, por acaso, da simples inspiração?

A inspiração não é precisamente um defeito, não. Mas é, para o que estamos falando, um recurso insuficiente - precário. A resposta séria e profissional, que leve a uma programação séria e competitiva, sairia de uma investigação metódica - de um estudo de mercado sério e continuado.

Para consolidar o setor brasileiro dos eventos, na sua atividade presente e no seu previsível crescimento imediato, se faz necessária a edição na internet de um Guia Geral Permanente dos Eventos do Brasil.

E, para desenvolver uma Oferta Criada, em função da Demanda Potencial que estamos comentando, seria necessário um estudo sistemático do mercado, da programação e da planificação dos eventos que podem ser viáveis e lucrativos, com independência de qualquer motivação prévia de terceiros.

O Guia Geral seria um negócio autônomo, independente, fácil, muito lucrativo, aberto à inserção voluntária, comercial, paga, de todos os calendários, e de todas as campanhas, que no Brasil inteiro dependem da responsabilidade e do dinheiro das instituições, das empresas e dos profissionais que se dedicam, de uma forma ou de outra, a organizar eventos.

Tecnicamente, esse Guia Geral não seria outra coisa que uma página web, que funcionaria como uma secção sem-fim de classificados (de pequenos anúncios). E com ele, com o Guia Geral, além de ganhar dinheiro se resolveriam alguns problemas importantes: o custo atual, as vezes insuportável, da divulgação de qualquer evento; a enorme dificuldade de sempre, dessa mesma divulgação, para ser eficiente ante a necessidade de comunicar ofertas e demandas quase sempre separadas pelo espaço geográfico; a perda de clientes (e de faturamento) que não encontram os eventos que poderiam interessar-lhes, porque não são atingidos pela divulgação convencional, ou porque só dispõem dos buscadores de Internet. (Um buscador é o contrário de um guia. Se busca o que, de alguma forma, se conhece antecipadamente. Um guia serve, igualmente, para buscar. Mas serve, sobre tudo, para encontrar o que não se buscava...).

O Guia Geral Permanente dos Eventos do Brasil também resolveria o problema de imagem do setor dos eventos: a idéia generalizada de que é um setor "secundário", "auxiliar", "estranho".

* Professor Domingo Hernández Peña - Nasceu na ilha de Lanzarote (Espanha), mas tem morado desde muito jovem em diversos lugares da Europa continental e da América. Atualmente mora em Madrid. É publicitário, jornalista, escritor, editor, Consultor de Imprensa Periódica, na Europa e na América Latina.

   - Professor de Teoria e Técnica do Turismo.
   - Introdutor da planificação turística sistemática na América Latina.
   - Autor de Metodologia para a Utilização do Conhecimento Turístico.
   - Planejador do primeiro Curso Superior de Turismo do mundo.
   - Honoris Causa, pela Universidade Anhembi-Morumbi.
   - Secretário Geral da Confederação Canária de Empresários.
   - Assessor de José María de Areilza, ministro de Exteriores da Espanha.
   - Secretário Geral de Acción Ciudadana Liberal.
   - Consultor de Marketing Político.