Na década de 70, quando sua maior feira não alcançava 10.000 m² no antigo pavilhão do Ibirapuera, Caio de Alcantara Machado construiu o Anhembi, com 64.000 m². Muitos o consideraram um alucinado. A maioria dizia que seria um elefante branco. Os anos se passaram e os quase 300.000 m² da área de exposição de São Paulo estão sempre lotados.
Quatro anos atrás, quando fomos comunicar a Carlos Nuzman que havia conquistado o Grand Prix Prêmio Caio, o presidente do COB lamentava que, nas inúmeras consultas que vinha recebendo de interessados em realizar grandes eventos no Rio de Janeiro, tinha que responder que o Brasil não tinha centros de convenções preparados para receber megaeventos.
Qualquer empresa ou entidade que pretenda realizar um evento de médio ou grande porte em São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade brasileira será defrontada com uma triste realidade: os espaços de médio e grande porte são poucos, o que somada à dificuldade no aéreo (mas esta é outra conversa, também muito séria), indica ser mais fácil realizar o evento no Caribe, nos EUA ou em algum país latino-americano.
Muito se alardeia ser o Brasil o 7º país do mundo no ranking da ICCA. Tivéssemos onde fazer mais eventos, estaríamos ainda melhor situados. Mas pouco de fala de outro ranking da ICCA: o que resenha o volume de participantes nos eventos. Este, sim, o mais importante, uma vez que são os participantes que regam com seu dinheiro a economia do Destino que recebe o evento.
Quando da conquista da Copa 2014 e da Olimpíada, muito se falou de legados. Uma palavra bastante repetida e pouco praticada. Todos sabem que os investimentos públicos para a realização destes megaeventos são enormes, o que só se justifica pelos tais legados. Infelizmente, todos sabem que eles serão parcos. A quarta edição do Termômetro Trevisan Copa 2014, anunciado na véspera da abertura da Copa das Confederações deixa claro que os principais especialistas brasileiros estão descrentes destes legados. De 1 a 5 a nota foi 2.4, apesar de estar melhorando – graças ao lado empresarial da Copa (estádios e hospedagem).
Como diz a sabedoria popular: o cavalo passou arreado e eles souberam montar. O Brasil, infelizmente, está perdendo o bonde da história. Como disse o Nuzman: não temos como receber os eventos que manifestam interesse de ser realizados no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Brasil. A procura começou imediatamente após o anúncio da conquista dos eventos, afinal todos gostariam que seus convidados, delegados ou associados conhecessem o país aonde iriam se realizar os maiores eventos do mundo. Antes mesmo que eles se realizassem. O cavalo já estava passando e não estávamos em condições de montá-lo.
Há muitos anos a Revista Eventos vem pregando a necessidade da construção de centros de convenções de grande porte, pelo menos nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Foram muitas matérias, vários editoriais, alguns discursos. E pouco resultado. Mas não nos cabe esmorecer. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Muitos alegam não serem prioritários. Alguns, que não são necessários. Mas chega a ser vergonhoso que a cidade que irá sediar a próxima Olimpíada e a que se orgulha de ser a Capital dos Eventos não tenham sequer um centro de convenções que figure na lista dos 100 Maiores do Mundo, elaborada pela Revista Eventos (ver tabela no final deste artigo). Cidades e países muito menos significativos figuram na lista: República Dominicana, Porto Rico, México, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e até mesmo os pequenos Sri Lanka e Macau. Alguns com mais de um centro de convenções.
No Brasil, o centro de convenções com maior sala é o Mendes Convention Center, de Santos, que figura na 103ª colocação, seguido de perto pelo RioCentro. O Anhembi, o maior de São Paulo, figura na 139ª colocação, atrás de Uberlândia, Brasília, Belo Horizonte e Florianópolis.
Bom para Santos e Uberlândia. Lamentável para Rio e São Paulo. Elas mereciam mais. Muito mais.
Afinal, estudos, como o produzido pela Crossroads Consulting Services para a Maryland Stadium Authority, demonstram que um centro de convenções é “um gerador econômico valioso, que atrai uma variedade de segmentos da indústria para a cidade e o estado, fomentando seus mercados através da troca de ideias, negócios e conhecimento”.
A análise de mercado e impacto econômico da Crossroads, que justificou a ampliação do Baltimore Convention Center, “identificou 243 eventos perdidos por serem demasiado grandes para serem realizados no BCC, apesar de 96% destes grupos poderem ser acomodados na rede hoteleira da cidade”. Este mesmo estudo indicou que o aumento de 67% na área do Baltimore Convention Center incrementaria cerca de 300.000 pernoites na hotelaria do entorno.
O estudo apresentado pela Crossroads Consulting Services mostra que, ao longo dos últimos 20 anos, os mercados de eventos dos EUA e mundial experimentaram um enorme crescimento na oferta de espaços para eventos, resultando num mercado mais competitivo, onde várias instalações podem acomodar as necessidades dos organizadores de eventos. No entanto, o aumento da oferta, combinado com condições econômicas mais difíceis, tais como aumento do desemprego, aumento dos custos associados às viagens e rentabilidade das empresas, resultou numa tendência de queda na demanda global de convenções e espaços para eventos nos últimos anos.
No entanto, ainda segundo o estudo, “o ambiente atual proporciona vantagens competitivas às instalações localizadas em destinos que oferecem um pacote de amenidades atraentes, proximidade de uma ampla base empresarial e de associações, aliados a uma boa oferta hoteleira, acessibilidade, restaurantes e opções de entretenimento, fatores que favorecem a manutenção de um fluxo relativamente constante de convenções, feiras e eventos em tempos de desafios econômicos”.
A referência da Crossroads era Baltimore, mas, com certeza, melhor ainda se referenciaria ao Rio de Janeiro e São Paulo, cidades que atendem a todos os aspectos mencionados, com exceção da existência de um centro de convenções. Ou seja, ambas têm tudo para serem campeãs na captação de eventos, mas situam-se, o Rio de Janeiro, em 27º, e São Paulo, em 33º lugar no ranking da ICCA, atrás de Buenos Aires, Melbourne, Varsóvia, Kuala Lumpur, Dublin e Seul, por exemplo.
Outra conclusão do estudo é que a metragem quadrada bruta de eventos indica que a porcentagem de eventos que requerem mais de 30.000 m² aumentou significativamente. Uma consulta ao Banco de Dados da ICCA mostra que cerca de 15% (1660) dos eventos cadastrados preveem a participação de mais de 5.000 participantes. Pode parecer pouco, mas, por serem os maiores, são os que proporcionam maior retorno econômico, mais oportunidade de transferência de conhecimento, maior repercussão na imprensa.
No entanto, apesar do mantra “Construa e eles virão” ser indiscutível, só se torna verdade se sua execução obedecer aos melhores princípios mercadológicos, se o objetivo for transformar o centro de convenções num alavancador da economia local.
Alguns casos brasileiros são exemplares da importância de um profundo conhecimento do mercado na definição dos parâmetros utilizados na escolha do local, das dimensões e das especificações do centro de convenções.
No entanto, isso ainda é possível, se o Governo do Ceará optar por transformar sua praça gastronômica num maravilhoso salão de eventos. Ele seria um dos maiores, melhores e mais belos do mundo. Basta haver vontade política e coragem para corrigir o erro.
“Construa e eles virão”, se o projeto for precedido de estudos que indiquem a melhor localização e sua definição técnica mais adequada.
Premal Zaveri, indiano, membro sênior da CBRE e do Hotel Consulting Team, diz que “a necessidade de centros de convenções de grande porte para a Índia é ainda mais destacada pelo fato de que um grande número de eventos de importância global, que deixam significativas pegadas na economia global, como a Cúpula de Doha, a Asean, Congressos Mundiais etc., deixam de ocorrer na Índia devido à atual falta de um centro de convenções de dimensão considerável. A importância desses eventos não se restringe apenas ao impulso da economia decorrente daquele particular evento, mas também pelo impulso à indústria de eventos no país, aumentando a importância do país como destino de congressos e eventos, aumentando assim o número total de eventos internacionais que ocorrem no país”.
Continuando, Premal afirma que “o ponto mais importante que impulsiona negócios (e os viabiliza) para um centro de convenções é a disponibilidade de hotéis e outras instalações de apoio, como áreas de lazer e lojas... Ponto-chave na definição de drivers de negócio para um centro de convenções é a infraestrutura básica que um destino tem para oferecer em termos de acessibilidade, segurança, facilidade de transporte etc.”, e continua, “a maior parte dos eventos relacionados ao entretenimento, eventos de lazer e esportivos também é determinada pela disponibilidade no mercado de outras exposições e instalações de entretenimento”.
Para isso é essencial identificar o tipo de clientela do centro de convenções e as exigências, layout do espaço e características do impacto econômico de cada tipo de cliente.
“Ao escolher um local, organizadores e produtores de eventos observam várias características de um Destino que são muito importantes para o sucesso de seu evento. Os principais atributos são a acessibilidade por via aérea e/ou rodoviária, inventário de apartamentos de hotel, comércio, entretenimento e restaurantes próximos ao local do evento”. O estudo continua enfatizando que a importância que os planejadores de eventos emprestam a esses fatores varia conforme o tipo de evento. Por exemplo, “eventos locais podem dar mais importância para acessibilidade do local para os expositores e participantes das comunidades do entorno. Um desejo consistente de profissionais e associações é o número de quartos de hotel de qualidade próximos do evento, o que permite que os participantes se movam livremente entre as reuniões e diminui o custo de transporte”. Podemos ilustrar estas constatações do estudo com o fato de vários organizadores de eventos terem indicado que a abertura do Hilton no entorno do BCC foi uma das principais razões para a escolha de Baltimore para sediar seu evento.
Como ponto de referência, a tabela abaixo ilustra os critérios de seleção do local que os planejadores de reuniões consideram muito importantes e sua classificação relativa, por tipo de evento.
Aproveitando ainda as lições do estudo promovido para avaliação da pertinência da ampliação do Baltimore Convention Center, vale observar algumas considerações sobre outros centros de convenções americanos:
Em conclusão, o estudo da Crossroads ressaltou como fatores mais importantes:
Aeroportos, acessibilidade, segurança, saúde e outros legados dos megaeventos já foram relegados e são oportunidades perdidas, no entanto, ainda está em tempo (pouco tempo) de São Paulo e Rio de Janeiro se imporem como verdadeiros Destinos para Eventos, com centros de convenções à altura de sua importância global. Centros de convenções que atendam verdadeiramente às necessidades do mercado, planejados a partir de pesquisas de mercado e consulta aos seus usuários. Centros de convenções que se apropriem das amenidades de seu entorno (hotéis, restaurantes, bares, teatros, museus etc.), multiplicando o aproveitamento de cada um deles, gerando emprego e impostos.
Construa e eles virão.