Natasha Caiado entrevista Marianne Coutinho, da KPMG e do movimento ELAS.

No meio de SXSW me vejo no meio do fenômeno ELAS. Um grupo de mulheres brasileiras, líderes e gestoras (sim, a diferença entre os dois é grande) que se encontraram no WhatsApp e se transformou em um top buzz do festival mais louco de inovação do globo.
ELAS @ SXSW

A terra é redonda e poucos questionam agora, mas imaginem na época que o primeiro “maluco” falou isso? E foi homem. Se tivesse sido mulher, coitada, né? Agora è dããã , claro que a terra è redonda.

Alguém(ns) lá atrás teve muita curiosidade, perseguiu a paixão e teve coragem de levantar a voz para hipóteses que não eram cogitadas, pagaram de “esquisitos” (e quem quer ter amigo esquisito?? Não previsível?) por questionarem o status quo.

Muito tempo depois todos nós desfrutamos da descoberta como se fosse commodity. Desconsiderando todo o caminho até chegar aqui.

Tenho muito medo de esquecer o que grandes mulheres fizeram. Minha mãe é uma delas. Fundou uma universidade. Empreendeu quando o termo nem existia em português. E em serviços!! Consultoria de Recursos Humanos em 1900 e guaraná com rolha.

Daí no meio de SXSW me vejo no meio do fenômeno ELAS. Um grupo de mulheres brasileiras, líderes e gestoras (sim, a diferença entre os dois é grande) que se encontraram no WhatsApp e se transformou em um top buzz do festival mais louco de inovação do globo.

O grupo não para!! Entre uma palestra e outra, as mais de 200 executivas trocam mais de 200 mensagens. O que está sendo falado em cada sala, onde está acontecendo algo interessante, o deck de slides que foi dividido, um time sincronizado captando, selecionando, organizando conteúdo. Trabalhando na troca de forma generosa para que todos os objetivos pessoais deste grupo heterogêneo formado por executivas, artistas, startapeiras, curiosas … fosse alcançado.

Sem querer “tropecei” na fundadora. E vou deixar que ela mesma conte para o que vocês também fiquem babando, como eu fiquei.

Natasha Caiado: Marienne tem dois assuntos que me deixam super curiosa e devem intrigar nossos leitores também. Primeiro queria que você se apresentasse. Sem modéstia ;-). Quem é você e como chegou onde chegou?

Marianne: Sou advogada e atuo na KPMG há mais de 27 anos. Fui a segunda sócia mulher no Brasil (isso há quase vinte anos). Depois de atuar, principalmente, como líder de tributação internacional (investimentos estrangeiros e M&A), migrei para tecnologia e inovação pela vontade de aprender e assumir novos desafios e pelo medo de me tornar obsoleta. Apesar de muito reconhecimento técnico-profissional, uma das minhas principais conquistas foi ter sido reconhecida no anuário de mulheres da Forbes. Me dedico muito a ajudar outras mulheres a conquistarem espaços importantes e esse reconhecimento abriu ainda mais portas para que meu esforço pudesse ter resultados ainda maiores. Uma conquista recente foi a cofundação do Conselheira 101, que promove a diversidade racial nos conselhos. Conheci mulheres incríveis e aprendo diariamente com elas.

NAT: Nossa tem tanta pergunta que quero fazer! Como foi, o que aconteceu, quais os obstáculos, como foi a curva do lado das mulheres e dos homens. Mas esta não é a pauta agora então conta pra gente a história de SHE e de ELAS que são dois grupos de lideranças fortíssimas femininas e que tenho orgulho de fazer parte. Para quem não conhece, grupos orgânicos absolutamente heterogêneos em que acontece o fenômeno da troca. Mulheres que nunca se viram tem uma absurda generosidade de compartilhamento de conteúdo, informação, experiências e a Marienne é idealizadora. Faz um once upon a time pra gente?

Marianne: Puxa… essa história é antiga. Em resumo, me envolvi com o tema de equidade de gênero e mulheres na liderança há mais de 13 anos. Eu comecei a trabalhar cedo e tive uma carreira muito rápida, mas embora fosse a única ou a primeira em vários ambientes masculinos, a ficha só caiu quando o tema chegou à mesa por provocação do nosso CEO da KPMG no Brasil, que queria replicar iniciativas que já existiam no exterior (KNOW - KPMG's Network of Women). Então passei a "colecionar" nomes de executivas de destaque, lendo nos jornais, e-mails etc. Eu gastava horas aos fins de semana montando uma planilha. Depois "colecionava" os e-mails das que conseguia. Depois, comecei a ajudar a organizar eventos com essas executivas c-level e empresárias para tratar da temática de gênero. Foi um sucesso, porque na época esses fóruns de mulheres eram muito raros. Na mesma época, fui convidada a participar da WCD – Women Corporate Directors, uma fundação global que promove diversidade em conselhos. Em resumo, as mulheres da minha planilha Excel passaram a ser pessoas do meu convívio, e grande parte se tornaram amigas. Criamos, ao longo dos anos, uma rede fantástica que se ajuda, se motiva, se valoriza, se reconhece, que ensina e acolhe. Gosto muito de pessoas, de relacionamentos e de ajudar. Na verdade, muitos grupos são criados no mundo real por conta de um acontecimento, como foi o caso do SXSW de 2019, e como conheço muitas, tento reuni-las no WhatsApp (hello, tecnologia) para mantermos a rede viva. Algumas acabam entrando depois por terem afinidade com aquele grupo. Criei, por exemplo, o Tax is Female, que reúne Heads de Tax, mulheres das principais empresas do Brasil. São minhas clientes ou potenciais clientes, mas, sobretudo, amigas.

NAT: Nossa, o nível de “queridisse” aumentando exponencialmente!! Agora queremos saber o que uma executiva da KPMG vê de interessante em um evento disruptivo como SXSW ? Qual track você fez?  Gente, foram 15 tracks, desde viagens interplanetárias a metaverso, passando por cinema, música, neurociências e psicodélicos. Você poderia escolher o tema e seguir o que sugerem ou escolher aleatoriamente entre as 2000 palestras.

Marianne: Minha atuação atual na KPMG está conectada com inovação e transformação digital, então vejo o SXSW com um fórum imperdível, não apenas para estar a par de tendências e discussões emergentes, mas para me conectar com uma comunidade relevante e influente. No mundo atual, o poder da colaboração é incrível, e no SXSW a força do coletivo fica muito evidente. Minha track principal foi metaverso, web 3.0, NFTs, blockchaisn, cripto etc. Porém, diversos outros temas, porque essa análise das conexões improváveis e novas conexões enriquece muito as novas visões.

NATO: Se você fosse escolher os top of mind learnings, quais seriam?

MARIANNE: Acho que ficou muito evidente que a tecnologia tem o potencial de nos levar a um mundo muito diferente do qual vivemos hoje. Esse diferente pode ser muito melhor e muito pior. A responsabilidade de cada um nessa evolução é enorme. Empresas, desenvolvedores, reguladores, usuários, todos somos parte integrante desse movimento e deveríamos nos preocupar com o legado que deixaremos para as próximas gerações. Outro ponto é que a inovação vai acontecer, quer a gente queira, quer não. Então não adianta negar os avanços, por mais que possam ser vistos como "hype". O que está posto está posto e quem trabalha com tendência, inovação, consultoria, tem que entender o que está acontecendo, aplicações práticas e se preparar para o futuro (ainda que incerto), o que a ver menos com previsão e mais com planejamento.

NAT: E tem algo que mudaria para os próximos SXSW?

MARIANNE: Todos os anos nos comprometemos com a administração do FOMO e durante o evento somos dominados por ele. Ainda não encontrei uma fórmula para não sofrer por não poder estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas acho que podemos usar a tecnologia e a colaboração a nosso favor e confiar nos compartilhamentos dos grupos e possibilidade de assistir as palestras de forma assíncrona.

NAT: Agora um conselho profissional. Nossa tribo de organizadores de eventos foi a que mais sofreu nesses últimos dois anos. Depois de quase 800 dias inviabilizados de fazer o que sabemos fazer, acordamos do pesadelo no meio do metaverso, NFT, blockchain, uma nova realidade. Vendo de fora, mas como um ser antenado que é, quais conselhos você daria para os profissionais desta indústria? Para atualização, novas oportunidades, foco etc.

Marianne: Acho que o setor de eventos vai ter um grande retorno, pois as pessoas estão sentindo falta dos encontros, da convivência presencial e da mudança de ares. Por outro lado, o modelo híbrido deve ser ainda preferível por diversas razões (ex. economia de custos de viagens, otimização de tempo, democratização do acesso ao conteúdo) e acho que será um grande desafio encontrar o modelo híbrido ideal, que bem atenda quem está online e quem está no presencial. A tecnologia pode ajudar muito, mas o olhar e o cuidado com o lado humano deve ser uma grande diferença. Um evento que antes era apenas mais um evento, principalmente nesse retorno, para algumas pessoas será "o evento".

Nat: alguma outra dica?

Marianne: Já falei muito (rs).

Imagina a pessoa fazendo listas de mulheres no jornal. E imagino que a lista foi crescendo e ficando mais rápida de conseguir mapear a medida que mais mulheres foram saindo de cargos de apoio para gestão. A Marianne tem o mapa da história dos 20 anos do Desenvolvimento feminino no mercado de trabalho. Ou melhor, ela é o mapa!!!

E como estava falando, agora è fácil falar “cheguei por mérito próprio”.

Pois é, alguém chegou lá antes e no escuro, acendeu a luz para entrarmos!!!

E sem querer queimar sutien, que essa nem é minha bandeira, eu não entendo por que ainda hoje, com um blue ocean lá fora, tenha ainda mulher brigando pela mesma onda. Olhai o exemplo da Marianne que foi no desconhecido e abriu caminho para que pudéssemos ter o ELAS e o SHE e a disseminação exponencial de conteúdo que essas 200 mulheres poderosas e destemidas estão fazendo de volta a seus ecossistemas.